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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Judaísmo - São Paulo, Mazal Tov!!!




Dia vinte e cinco de Janeiro, aniversário de São Paulo.
Acabei de voltar do “Açaí”, onde encontrei os meus amigos Benjamim e Vania Handfaz,  pais do Alexandre, meu amigo e aluno de Bar Mitzvah.
Entre pratos de Açaí e canudos de água de côco e ao som da torcida do timão que joga aqui perto no estádio do Pacaembu, os amigos me contaram uma história digna do aniversário de nossa cidade:
-A filha de nosso primo Jayme – Corinthiano roxo -  estava passeando com a sua avó, quando cruzou com outra dupla de avó e neto. A avó número dois, ao ver nossa priminha, não se conteve e disse:
-Puxa vida! Que menina linda! Loirinha de olhos azuis!
-Seu neto também é lindo – Respondeu a orgulhosa avó - Que lindos cabelos e olhos negros!
-Obrigada, ele é árabe puro!
-Árabe puro... Que maravilha! A minha netinha é judia pura!

-Em outros cantos do mundo este seria um possível ensejo para uma bela discussão, mas aqui em São Paulo, terra, ou melhor, asfalto de diversidade, é diferente:

-Pois então... Podemos acertar o casamento? – Disse a avó judia.
-Claro! Por que não? - Respondeu a avó árabe.
Após mais uns minutos de descontraída conversa, as duas se despediram com beijos e cumprimentos.
Alguns passos depois, nossa priminha, depois de se certificar de que já estava a uma distância segura do “primos árabes”, se dirigiu à avó com uma voz grave e expressando preocupação no olhar, disse:
-Vó! Como a senhora falou aquilo de eu me casar com ele? Você esqueceu o que a gente é? Ele é o contrário da gente!
-Você está falando isso por que ele é árabe?
-Não vovó! Você não viu a camiseta dele? Ele torce para o São Paulo!

Viva São Paulo! Viva o diálogo! Viva a Paz!
More Ventura!


Comente e compartilhe! Abraços!

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Judaísmo - Jacob: "Por ele mesmo" - A metamorfose!



Imagine você amigo, que logo ao nascer recebe como presente um nome aparentemente absurdo e desmerecedor.
Pois é... Este foi o meu caso. Quando era criança eu tinha vergonha de falar sobre isso com os meus colegas, pois fui premiado com um nome nada abonador:
Calcanhar! – Parece mentira, não é?
O pior era ter que explicar a eles que meu nome não se referia ao meu próprio calcanhar, mas sim, ao calcanhar do meu irmão gêmeo.
É que eu nasci “segurando” o calcanhar dele. Aí já sabe o que aconteceu: “Olha que graça! Ele está segurando o calcanhar do primogênito: Vai se chamar Calcanhar”.
Como se não bastasse, ao crescer, meu irmão se tornara um cara esperto, malandro e cheio de malicia: Um verdadeiro caçador. Enquanto eu gostava de ficar na minha tenda, era mais caseiro e tinha uma boa dose de ingenuidade.
Para piorar as coisas, nossos atributos físicos contribuíam para eu me sentir inferiorizado: Meu irmão sempre foi mais viril: Quando nasceu já era meio peludo e eu, mesmo adulto, sempre fui “liso”.
Acho que hoje em dia seriamos apresentados como o Popular e o Nerd!
Certo dia, quando ainda éramos jovens, aconteceu um episódio curioso:
Eu estava dentro da nossa tenda cozinhando lentilhas, quando meu irmão chegou da caça – Que contraste! – “O caçador e o cozinheiro!” – Parece nome de comédia, não é?
Ele estava muito cansado, suado e com a respiração ofegante. Ao sentir o cheiro da comida, me pediu que eu lhe servisse um prato. Respondi-lhe, quase que instintivamente que daria a comida, porém sob uma condição: Que ele me cedesse em troca a sua primogenitura. Sem titubear meu irmão consentiu com a idéia e nós fechamos o negocio.
Vários anos depois, devido à idade avançada e à cegueira completa, meu pai decidiu transmitir a herança e a liderança do clã a meu irmão. Parecia lhe que a morte se aproximava.
Naquela época a sucessão era transmitida através de uma benção. Ao primogênito cabia tudo, inclusive seus irmãos, que lhe serviriam como uma espécie de servos – Hoje isso parece tão... Politicamente incoreto, não é?

Para que a benção fosse dada com satisfação, meu pai pediu a meu irmão que lhe trouxesse alguma caça para degustar. E meu irmão... foi a caça!
Enquanto meu pai Isaac esperava pelas iguarias, minha mãe Rebeca, a portadora da mensagem Divina que dizia ser eu o destinado à sucessão, ordenara que eu me disfarçasse, de modo a enganar o meu pai e apanhar a benção. – Eu não curti muito a idéia!

- Minha mãe era esperta, vinha de uma família maliciosa, enquanto meu pai era ingênuo. Sendo assim, porque será que ela gostava mais de mim, o ingênuo, enquanto meu pai gostava mais de Essav, o esperto ? Seria por que os opostos se atraem?
E porque se atrairiam? Talvez seja uma forma de aprender com o outro, cada qual aquilo que lhe falta para atingir o tão almejado equilíbrio?

Desculpem-me a divagação. Mas agora volto ao assunto e prometo não desviar mais:
Conforme ordenou minha mãe, disfarcei-me e com uma atuação meio capenga, convenci meu pai de que eu era seu primogênito Essav, levando a sucessão e a liderança do clã.
Depois que meu irmão descobriu o engodo, tive que fugir, pois ele simplesmente decidira me assassinar. Sob o pretexto de procurar uma mulher para me casar fui me refugiar em Haran, que fica na região da Síria, na casa de meu tio Lavan.

Após partir tive a sensação de ter errado por iludir o meu pai e por ter roubado a liderança de meu irmão.
Será que eu realmente tinha o direito à sucessão? O que faria eu no lugar de meu irmão? E no lugar de meu pai?
Será que eu retornaria um dia às terras prometidas ao meu avô Abrahão? Será que eu continuaria seu legado espiritual? Aquelas terras pertenceriam a mim?
Depois de todas estas questões ainda vinha outra, mais difícil e amarga do que as anteriores, pois esta não se referia a direitos ou a reconhecimento e sim a minha auto-percepção e as minhas próprias deficiências e limitações:
Teria alguém tão ingênuo e inseguro como eu a capacidade exercer uma função tão importante como a liderança da família de Abrahão, portadora da tão valiosa mensagem Divina para a humanidade?

Aqui terminava a primeira fase de minha vida, marcada pela baixa auto-estima, reforçada pelo desprezo paterno, pela comparação de minha frágil figura a de meu valente irmão e, é claro: Pelas marcas deixadas por seu Calcanhar em minha pisoteada personalidade!

A segunda fase, ou melhor, a passagem para a segunda fase começou na primeira noite depois da minha partida, ou melhor, da minha fuga.
Após um longo e cansativo dia de caminhada, deitei-me numa colina para dormir.
Achei que aquela seria uma noite diferente das outras, somente devido ao sono ao relento e aos mosquitos, mas logo que adormeci percebi que a partir daquele ponto minha vida iria mudar.

É que tive um sonho, uma revelação. Enquanto dormia vi uma escada gigantesca que ia da terra aos céus, através da qual desciam e subiam lindos anjos. Naquela ocasião recebi uma mensagem reconfortante: o Criador me assegurara a sucessão na liderança do clã e do legado espiritual de meu avô e também me garantira sua proteção enquanto estivesse em terras estranhas.
Agora eu estava mais sossegado, porem não completamente, pois baseado nas historias de meu pai e avô, sabia que estas promessas não significavam necessariamente vida calma.
De qualquer modo, a experiência havia sido intensa e reconfortante.

Quanto às minhas habilidades referentes á liderança, porem... Ainda tinha muitas dúvidas e questões.

Ao acordar, firmei um pacto com D’us: Se ele me protegesse e me beneficiasse, eu destinaria a Ele o dízimo de tudo o que eu ganhasse. Com o coração carregado com um misto de medo e esperança parti em direção a Haran, a terra de meu tio Lavan.

Por dias caminhei e refleti. Agradeci e chorei. Observei e me observei. Pensei.
Pensei a respeito da vida que tivera até ali, a respeito das expectativas e frustrações que meus pais transferiram para mim e a respeito das comparações e das competições com meu irmão. Imaginei como seria minha vida sem estas cobranças e como seria se eu pudesse ser eu, somente eu. Mas logo me vieram novas e mais complexas questões: Quem sou eu? Não seria apenas um reflexo do meio, da herança cultural e das expectativas que meus pais e avós depositaram em mim? Eu Poderia ser algo alem disso? Teria escolha? Não seria a personalidade de uma pessoa uma espécie de espelho refletindo o meio no qual se vive?

Olhando ao meu redor via o deserto infinito, que no inicio de minha jornada me parecera uma extensão de meu vazio interior. Com o passar dos dias, porem, comecei a alternar: As vezes deserto e as vezes Oasis: Este exílio forçado me faria bem?

Hoje a resposta me parece obvia, pois o que havia por trás destas situações nada mais era do que a invisível, porem presente, poderosa, porem delicada e orientadora mão de Deus, que nos impele sempre à evolução, cabendo a nós a aceitação ou o desprezo de tal dádiva.



Um Poço!

Desde que ouvira a historia de como minha mãe fora escolhida para se casar com meu pai através de um “teste” ao lado de um poço de água, tenho simpatia por poços. Para mim eles representam o conceito de revelação, pois através deles a água, anteriormente escondida nas profundezas da terra, se revela à superfície.

E foi justamente num poço de água que D’us se revelou a mim: Através de sua providência e de uma moça que me deixou apaixonado: Minha prima Raquel, que por “coincidência” viera buscar água para seu rebanho apenas
minutos depois de minha chegada.

Agora eu chegara a meu destino

Quando me dei por mim, já estava sentado no tapete central da grande tenda de meu tio Lavan. Para minha surpresa, me senti muito a vontade, pois a decoração lembrava muito a que havia nas tendas de meus pais: Tapetes de lã tingido, adornos de metal, utensílios e peles de animais pendurados nas paredes, Narguiles, darbucas e outros adornos semelhantes. Não fossem os ídolos espalhados pelo recinto, poderia facilmente pensar que estava em casa:
Outra coisa que caracterizava o ambiente era o forte cheiro do incenso e das velas acesas às divindades que dividiam o espaço com a família.
No inicio fui muito bem tratado. Meu tio contava fatos engraçados e curiosos de sua infância com minha mãe e outras amenidades do tipo. Quanto mais passava o tempo, mais a vontade eu me sentia, pois quase tudo me lembrava meu lar. Até mesmo a comida era parecida: O modo de assar os pães, as carnes dos carneiros, os temperos agridoces e coloridos e os odores e sabores dos chás... Tudo recordava minha família, com a agradável exceção do clima pacífico e ameno reinante, que em nada lembrava o que se passava entre eu e meu desagradável irmão Essav.

Minha vida andava maravilhosamente bem, até que a verdadeira face de meu tio se revelou:
Lavan era um homem dissimulado e perverso, uma versão piorada de meu irmão!
 Estaria eu acordando de volta ao pesadelo?

Sim! A resposta teria sido positiva se não fosse a presença de outro fator, muito mais poderoso do que o ressentimento e receio que sentia em relação a meu tio: O amor por minha prima.

Certa tarde, após almoçarmos uma deliciosa costela de carneiro ao molho de vinho e damasco, enquanto saboreávamos um doce a base de pistache e ouvíamos o som dos cantos e dos atabaques de meus primos, meu tio me perguntou:
-Habibi – meu querido – Quanto você vai querer ganhar de seu titio em troca do trabalho que vai desempenhar aqui? Hã?
-Ao sentir o perfume de minha prima Rachel, olhei para seus olhos, que sorriram para mim. Minha resposta fora imediata, nem sei de onde a tirei. Dirigi um olhar firme e decidido para meu tio e com o nariz apontando para sua face cavada respondi:
-Eu quero a Rachel! Trabalharei sete anos por ela! Darei o melhor de mim para poder me casar com a sua filha e a farei muito feliz!

7 anos

-Foram sete anos muito intensos: De minha parte, muito trabalho, dedicação, aumento de produção e geração de riquezas. Do lado de meu tio... Trapaças, mentiras, calotes, maus tratos, péssimas condições de moradia e de trabalho.
Mas, se querem saber a verdade: Não posso reclamar da sorte, pois foi a partir destas experiências que me tornei mais paciente, mais persistente e mais apto a lidar com a trapaça e com a malícia, condições indispensáveis para exercer qualquer tipo de liderança, seja de um povo, ou somente de uma família, o que me animava um pouco, pois ainda me flagrava imaginando meu retorno à minha terra natal para assumir a liderança do clã.

Apesar de todo o mal com o qual fui “presenteado”, senti o passar daqueles anos como se fosse o de dias, pois não parava de pensar em minha prima. Estava embriagado por seu amor e isto entorpecia meus sentidos, de modo a anestesiá-los da dor infligida por meu tio.

O Casamento

Depois do dia do meu nascimento, este seria o dia mais importante da minha vida, com a grande diferença de que desta vez eu não entraria em cena segurando em um fétido calcanhar destinado a me pisotear, mas sim nas macias mãos de minha amada, destinadas a me acariciar, me acompanhar e me apoiar.

Maravilhoso! O ambiente era deslumbrante: Os flautistas e percussionistas mais famosos da região encantavam os convidados com a magia de seus ritmos, que alternavam do hipnotizante lento ao empolgante ligeiro.

Os passos dos mais hábeis dançarinos, através de sua destreza e sutileza puxavam os convidados às rodas de dança, como se fossem invisíveis e delicados laços de ceda. As empolgadas cirandas, por sua vez, faziam par com as chamas de fogo das tochas, numa encantada coreografia.

As iguarias, preparadas pelos mais qualificados “chefs” da região, com seus ingredientes importados e seus temperos exóticos, deliciavam os paladares dos mais mimados convivas, ao mesmo tempo em que despertavam admiração e inveja nas mais esmeradas donas de casa.

Os trajes dos convidados era um capítulo a parte: tecidos das mais variadas texturas , tingidos das mais diversas cores  e espelhando os mais variados brilhos alegravam e iluminavam o ambiente, formando trio com os arranjos de flores e com as dezenas de tapetes coloridos estrategicamente posicionados.

A beleza e o deleite eram tão supremos que até mesmo os contrastes se harmonizavam, formando belos e inesperados casais:
Os deliciosos refrescos que regavam nossas gargantas e a secura do deserto circundante; A iluminação intensa de nossas tendas e a escuridão do céu estrelado; A vida rarefeita ao nosso redor e a vitalidade esbanjada nas danças, nas rodas de conversas e nas gargalhadas.
Era tudo uma coisa só. Mas para aquelas pessoas ou elementos que ainda teimavam em permanecer em estado de autonomia, havia um elixir a base de anis, a milenar e tradicional bebida dos desertos, o Arak, que após alguns goles e minutos, terminava por fundir toda aquela beleza, alegria, música, paladares, danças e sentimentos no denso e saboroso caldo do Êxtase!

Mas tudo aquilo tinha um só motivo, um objetivo sublime: A fusão de dois corpos, dois corações e duas almas. Era o meu casamento com minha amada prima, Rachel.
Logo a cerimônia tomaria seu lugar no centro dos acontecimentos, monopolizando todas as atenções e olhares, emoções e expectativas. Evocando memórias distantes que há muito jaziam nas tumbas do esquecimento.
Neste momento tropecei na corda da depressão, pois senti a ausência de meus pais, mas os cumprimentos e desejos de sucesso logo me ergueram a realidade.

Velhos anciões com suas longas e alvas barbas se postavam ao redor do altar, coberto pelo lindo manto estrelado e sob o foco da bela e prateada luz lunar.
Suas longas túnicas, decoradas com misteriosas figuras de astros ou dragões, aliadas ao som da ventania e ao vapor emanado pelas areias outrora escaldantes impingiam um ar de mistério à cerimônia nupcial.
Corujas, calangos e outros seres noturnos, representando o reino animal, assistiam a tudo de uma distância segura.
A noiva chegara. Estava linda, caminhava leve como uma pluma e dela exalava um perfume indescritível, era como se tivesse sido abençoada com os odores das mais cheirosas e delicadas flores.
Sua pele era macia e brilhante, certamente tinha se untado com os mais finos óleos da região.
Seus cabelos estavam diferentes. Nesta noite seus negros cachos estavam mais definidos e brilhantes, parecendo até mais compridos do que normalmente.
O véu que cobria seu rosto era como uma névoa misteriosa; última fronteira entre o explorador e o Paraíso. Ao mesmo tempo em que este adereço me incomodava, me deixava mais e mais ansioso pelo momento em que poderia retirá-lo, desfrutando a sós da beleza e do amor de minha tão amada e esperada Rachel.

A revelação

Depois de findada a festa, a esperada e desejada hora chegara. Estávamos os dois à sós em nossa simples, porem aconchegante morada, construída a base de meu suor e patrocinada por minhas parcas economias, a qual fiz questão de inaugurar somente nesta noite, abdicando de fazê-lo antecipadamente, mesmo que vivendo na precária e semi-destruída moradia cedida por meu tio.
Meu coração estava acelerado, batendo em compasso com meu ansioso corpo e contrastando com meu apascentado espírito.
-Rachel - Dirigi-me a ela com o mais agradável tom de voz encontrado, de modo a expressar minha felicidade e desejo
-Rachel!  - Repeti, tendo o silêncio como resposta.
Olhei para sua testa, que me pareceu desbotada, pois ao invés do habitual bronzeado tingido pelo Sol, o que se via era um branco pálido como a cera das velas. E exatamente como esta cera que pinga em gotas ao se derreter, pareciam as lágrimas que rolavam de seus olhos, que evitavam a todo o custo encontrar com os meus.

-Perplexo eu olhava para minha tão desejada esposa, que depois de um simples gesto se convertera na mais desprezada das mulheres:
-Rachel retirara o véu e eis que era... sua irmã Leah!

Aquele fora um momento decisivo na minha vida, um separador de águas, pois os minutos que se seguiram assistiram e testemunharam a primeira vez em que eu confrontei alguém de forma explícita e corajosa, um importante passo na minha evolução e na reconstrução de minha personalidade.
Eu ainda não percebera, mas era a mão de Deus que estava me conduzindo!

Enquanto ouvia meus brados e ameaças, meu tio se fazia de rogado, simulando espanto e admiração por minha reação.
-Sobrinho – Disse ele enquanto me media com seus olhos arregalados e tremedeiros – Por que você está fazendo este escandalo? Quem deve estar surpreso aqui sou eu com esta sua reação emotiva e brutal!
O modo como você esta agindo faz com que eu me arrependa de ter dado minha valorosa filha para você!
Está parecendo uma criança mimada– Arrematou meu tio com seu rosto cavado, encimado pelas sombrancelhas que me observavam dos pés de seu adunco nariz, arqueadas em sinal de desprezo.

-Se você ainda quiser se casar com minha Rachel, deverá servir por mais sete anos. Porem... como uma demonstração de boa vontade, deixarei com que se case com ela daqui a sete dias, com a condição de que complete os sete anos de trabalho. Mas para que isto aconteça você deve começar a se comportar como um homem e não como um descontrolado moleque, senão... Adeus Rachel! He He He!

Aquelas palavras perfuraram meu coração e eu não podia por tudo a perder, então decidi dar alguns passos para trás de modo a tomar distância para um futuro salto. Aceitaria as condições de meu tio, mas daqui em diante, prometi para mim mesmo que eu seria uma nova pessoa, deixaria minha ingenuidade de lado e começaria a me defender, mesmo que para isso tivesse que apelar para truques e artifícios.

Os sete dias se passaram e casei-me com Rachel, a quem dedicava toda minha paixão, enquanto à minha segunda esposa, Leah, eu somente conseguia dedicar, alem do desprezo, as refeições diárias e uma espécie de compaixão, pois afinal de contas, se tratava de uma vitima do mesmo algoz que eu.

As chagas rasgadas pelo sentimento de injustiça que me perfurara nos sete anos seguintes, foram cicatrizadas pelo amor de Rachel e pelo nascimento de meus filhos, que trouxeram consigo carinho, amor e respeito também por Leah.
A estas duas esposas, agora queridas, se somaram suas duas servas, que nos agraciaram com o nascimento de mais quatro filhos.
Rachel, que vivera o drama de assistir a onze partos sem ter gerado, finalmente fora gratificada por Deus com Iossef, que também me trouxera muito alivio e felicidade.

A dificuldade de sustentar e gerir uma família tão numerosa era grande: Ciúmes entre as esposas, rinhas entre os filhos, obtenção de mantimentos e educação adequada. Mas as barreiras enfrentadas nos últimos anos me trouxeram bagagem e repertório mais do que suficientes para lidar com os novos desafios, o que me fez perceber que por trás de meu encontro e convívio com meu tio Lavan, talvez houvesse um plano maior, voltado para a minha transformação de um ingênuo e inseguro rapaz num arrojado e seguro homem apto para liderar o importante Clã de Avraham, portador da sagrada mensagem Divina para a humanidade.

Findados os sete anos de trabalho, já com as bagagens prontas e com os camelos arreados, fui surpreendido por meu tio com uma nova proposta de trabalho, desta vez não haveria nenhuma filha na negociação, o que estava em pauta eram riquezas materiais e eu aceitei a proposta, pois afinal de contas precisava me prover.

Os anos seguintes não trouxeram novidades quanto ao caráter e a ética de meu tio. Trapaças, ofensas e mentiras continuaram sempre suas fieis e inseparáveis amantes.

Quanto a mim, simplesmente vestira minhas velhas roupas de trabalho e retornara a rotina:
-Acordar todos os dias antes da alvorada, alimentar as galinhas, recolher os ovos, apascentar os rebanhos, tosquiar sua lã, ordenhar, regar as plantações, plantar, colher, cavar poços de água, reformar as construções e as cercas e tratar dos animais adoentados. Estas eram as tarefas que ocupavam todo o meu dia, invadindo muitas vezes a noite que eu procurava reservar para os meus filhos e para as minhas esposas.

Agora, assim como antes, cumpria todos os meus deveres com integridade e esmero, porem despido da ingenuidade que me caracterizara e que me expusera aos abusos e artimanhas de meu larápio tio, pois para cada um de seus truques, eu tinha uma defesa e um contra-ataque. 

O passar dos anos, aliado ao trabalho árduo, a auto-preservação e principalmente às bênçãos de Deus, nos brindaram com muita riqueza material, o que conseqüentemente atraiu a inveja e as acusações de meus ciumentos e ingratos cunhados:
-Ladrões! – Diziam eles, nos perfurando com seus olhares de nojo e desdém.
-Esta riqueza toda foi roubada! Pertencia a nós! Yaacov, você não passa de um trapaceiro!
-Um vagabundo invejoso!
Minhas esposas ouviam magoadas a estas acusações, mas não podiam fazer nada alem de tentarem me consolar.
-Meus filhos se sentiam intimidados pelos próprios tios e avô, que faziam de tudo para afastá-los de mim.

Quando a situação se tornara insustentável e a pressão chegara a seu limite, veio uma nova revelação:

Lembro-me muito bem daquela noite, o céu estava limpo e o clima fresco. Minhas esposas e meus filhos já haviam dormido e eu ficara deitado meditando a cerca de nosso futuro e das decisões que deveria tomar.
 A música de fundo, formada pelo som emitido pelas corujas e grilos completava o cenário.

À medida em que o sono se infiltrava em meu corpo através dos portões oculares e iam se fechando as cortinas das pálpebras, minhas preocupações foram se dissolvendo no infinito caldo da imaginação, que foi sendo substituído pelo Sumo da profecia.

Na madrugada seguinte despertei mais cedo do que de costume. Também estava mais seguro e decidido, pois após a revelação noturna, sabia que devia retornar a minha terra.

Em poucos dias estávamos prontos para partir: Rebanhos reunidos, camelos e jumentos arreados, vestimentas e mantimentos ensacados, tendas desmontadas e guarda montada.
Os servos e as servas aguardavam ansiosamente o momento de partir, juntamente com suas famílias, minhas concubinas, esposas e filhos.

Era madrugada. Todos faziam silêncio e o mais absoluto sigilo reinava em torno de nossa partida. Só se ouviam os grilos e as corujas.
Não queríamos dar chances para Lavan e seus filhos tentarem nos impedir.
A noite era fresca, como nossos ânimos, a Lua crescente tal qual nossas expectativas e o céu cindido em nuvens e estrelas, assim como nossos sentimentos de temor e esperança.

Após três dias de caminhada, enquanto almoçávamos em uma de nossas paradas, Lavan e seus filhos nos alcançaram e irromperam suados em nossa descontraída refeição, chutando nossos alimentos e utensílios e me acusando aos brados de seqüestrar seus rebanhos, filhas e netos.
Desaforo! Humilhação! Vingança e até mesmo morte, foram algumas das palavras que eles empregaram para nos ofender e intimidar. Suas espadas, contudo, mantiveram embainhadas, o que parecia afastar a possibilidade de violência física.

Enquanto meus filhos menores esperneavam agarrados ás suas horrorizadas mães, os mais velhos aguardavam apreensivos por minha reação:
Não tive dúvidas, caminhei de modo rápido e decidido na direção dos invasores e me mantendo numa postura confiante, perfurei suas vistas e ouvidos com olhar firme e voz enérgica, através da qual expressei minha indignação pelo ataque surpresa e por todas as injustiças com as quais haviam me atingido nos últimos anos – Foi uma lista imensa!

Decididamente, esta não era a forma de reagir do Yaacov que eles conheciam e isso os pegara de contra pé, fazendo com que se acuassem como se fossem pobres ovelhas perante “seus” lobos!
Depois que os ânimos se apascentaram, partilhamos uma refeição na qual celebramos um pacto de não agressão, após o qual Lavan e seus filhos partiram.

Ao observá-los, já a várias flechadas de distância, fascinado com minha própria firmeza e coragem, pensei:
-Meu Deus! Como mudei! O frágil e inseguro Yaacov que fugira a vinte anos da casa de seu pai já não existe mais.

Voltei para os meus filhos que me abraçaram e me cumprimentaram expressando orgulho e admiração por minha reação. Esta foi a primeira vez que me senti altivo por uma atitude tomada. Sorri, abracei a todos e me sentei num velho tapete para beber meu chá de hortelã.

Enquanto observava os irmãos imitando a minha discussão com o avô, a ameaçadora imagem de Essav foi evocada como uma assombração em minha mente e então, com o coração palpitando e já começando a suar, imaginei como reagiria se o reencontrasse.
Teria coragem de encará-lo? Olharia firme e falaria alto, assim como fiz com Lavan e com seus filhos?
Se a resposta fosse negativa, então toda aquela metamorfose pela qual eu teria passado seria somente uma farsa? E as dificuldades enfrentadas na casa de Lavan? Teria sido tudo em vão?

Aflito, saí da tenda para refletir. Naquele momento o sol se punha, pintando o horizonte com tons róseos e dourados, salpicados pela tempestade de areia que se aproximava. Enquanto avistava as grandes nuvens de pó, distingui no meio delas o rapaz que eu havia enviado para fazer o reconhecimento do caminho. Ele vinha aflito e assim que chegou me contou a terrível notícia:
-Seu irmão Essav está vindo ao nosso encontro e está acompanhado de quatrocentos homens armados.

-Deve estar com medo de que eu assuma a liderança recebida através da benção de meu pai – Pensei.
Tive vontade de chorar, senti meu coração apertado e uma leve tontura balançou minha cabeça:
Da euforia da vitória à temeridade do fracasso. O advento de uma nova personalidade valente e cheia de coragem seria apenas um sonho do inseguro rapaz? Um delírio?


Naquela madrugada meu coração se derreteu em abundantes lágrimas, nas quais navegaram meus assombros e receios. Meu maior temor era o de que Essav cometesse um massacre de mães e filhos. Este seria o horror supremo, a contradição entre o nosso carinho e a crueldade de meu irmão: Lagrimas e sangue, abraços e golpes, beijos e ofensas: O Amor e A morte.

Depois de alguns momentos observando as mudanças causadas nas dunas pela ventania, pensei:

Amor e A morte... È isso! Que forma melhor haveria de se combater a morte do que com o amor?
Se eu apelar aos sentimentos exacerbados de amor-próprio de meu irmão, talvez isso amenize sua vontade de me matar:
Separei um numero considerável de animais para que a ele fossem levados por alguns de meus servos. Quando eles o avistassem, deveriam se curvar dizendo as seguintes palavras: Estes presentes foram enviados para o senhor por teu servo Yaacov.

Òtima idéia – Pensei comigo mesmo -  “Servo Yaacov...!”
Os presentes, talvez o acalmem, mas as palavras “teu servo Yaacov”, certamente anestesiarão seu desejo de vingança, pois o simples fato de ouvir-me chamá-lo de “meu Senhor”, o fará concluir que as bênçãos que recebi de meu pai não surtiram efeito. Para reforçar esta ideia, elogiarei seus atributos de força e valentia enquanto descreverei a mim e a meus filhos como débeis e frágeis.

Já mais aliviado e confiante, me dirigi à tenda, onde beberia um chá e dormiria. Queria estar disposto para o dia seguinte, mas algo Inesperado aconteceu: Fui atacado por um estranho, com a aparência difícil de se definir. Parecia um ser espiritual, uma espécie de anjo.
De seu corpo emanava um tipo de luz e seus movimentos eram muito rápidos. Sem opção pus-me a lutar.
No início somente me defendi, mas com o passar do tempo passei a atacá-lo.
Era uma luta sui-gêneris e multifacetada, pois do corpo, a luta se estendia às emoções, aos pensamentos e ao corpo espiritual.
Após horas de embate, o Ser decidiu se retirar. Percebendo se tratar de algo do alem, pedi-lhe que me abençoasse, ao que ele rebateu, perguntando o meu nome.
-Yaacov – Respondi.
-Seu nome não será mais Yaacov e sim Israel que significa Aquele que lutou contra Homens e contra o Anjo de Deus e venceu.

Do mesmo jeito misterioso que o anjo surgiu ele se foi, deixando como rastro uma efêmera névoa, que logo se desfez.
Em poucos minutos avistei o recém nascido sol vencendo a primogênita escuridão. Seria uma metáfora?
Fiquei parado, estupefato.
Yaacov, o “Calcanhar do irmão” não existia mais...
Eu me tornara Israel, o vencedor!

Abraços! More Ventura!

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Judaismo - Por favor, Não comece por aqui !



Você já pensou sobre a dramática diferença que pode fazer na vida de uma pessoa iniciar a leitura de um livro a partir desta ou daquela página ?
Começar a leitura de um livro a partir duma página bem escolhida pode significar o início de uma linda história de vida, enquanto que estrear uma leitura apenas um milionésimo de centímetro de largura de folha depois, pode arruinar a existência de um ser humano!
Tão perigoso pode ser embarcar num livro a partir de uma pagina mal escolhida, que algumas delas deveriam ostentar antes de suas primeiras linhas uma advertência em negrito:
“Perigo! Não comece por aqui !”
Imagine que dois irmãos, gêmeos univitelinos, educados pelos mesmos programas de televisão, consumidores dos mesmos refrigerantes e hambúrgueres e torcedores do mesmo time, tomam rumos completamente diferentes em suas vidas, pelo simples fato de abrirem uma obra Literária... Em páginas diversas!
O livro era um daqueles velhos exemplares da Lei de Moises, com capa bordô desbotado.
Aonde o haviam encontrado ? Numa velha sala de banhos! Uma vergonha! Sim, no meio de uma pilha de revistas de fofocas, moda e gibis, que jaziam numa antiga banheira desativada devido à ferrugem abrigada há anos no interior do seu encanamento.
No meio da pilha “cultural” repousava á contragosto o Livro dos Livros, esperando por uma nova oportunidade de revolucionar vidas, abalar alicerces e despertar mentes dormentes.
Devido a uma “falha” causada pelo bisavô neurótico, que cismara em arrancar todas as páginas que não contivessem o seu nome, achando que isso lhe conferiria um papel mais central no comando de sua família, a bíblia começava e terminava com a história do primeiro patriarca do povo de Israel, Abraão.
Portanto, saibam vocês, esta bíblia é exclusiva, pois é a única no mundo, (até onde sabemos), na qual o livro do Gênesis começa no capítulo 12 e termina no capítulo 22!

Genesis 22

-“E disse o Senhor para Abraão: pegue o seu filho, o seu único filho, aquele que você ama e sacrifique-o para mim!”
-“...E Abrahão pegou o facão para abater o seu filho Isaac e o anjo do Senhor segurou a sua mão...”
-“...E disse o Senhor: Por que me obedecestes, abençoada será a sua semente...”
-Meir, o gêmeo “mais velho”, ficou deveras impressionado com a cena lida e tão coloridamente imaginada, que chegou a ponto de atribuir o suor que banhava seu corpo e a dificuldade que sentia em respirar à identificação que sentira com Isaac, o cordeiro do relato, ignorando que a fonte de tal sufocamento fosse o vapor emanado pela água fervente que saia do chuveiro e que já fazia suar todas as paredes da sala.
-Obediência...Esta é a palavra chave!  -Concluiu o menino:
-Eu faria o mesmo! Se Deus me mandasse matar o meu filho, o meu mais amado filho, eu... o mataria ! E se Deus mandasse meu pai me... Bom, deixa pra lá, agora eu tenho que tomar meu banho, pois foi isso que minha mãe me mandou fazer e como dizia o grande Avraham: “Obediência acima de tudo !”
Noutro dia, depois de voltar da escola, adentrar seu quarto e descarregar o fardo de suas costas, o gêmeo  caçula, Mayer, aproveitando a ausência do mais velho, foi logo fuçar o “território vizinho”, dando de cara com:  Adivinhe... Aquele mesmo livro, que resgatado do vaporoso recinto indigno, agora jazia sobre o travesseiro de seu irmão.
Cuidou o destino que este tivesse sorte diversa ao adentrar o universo do sagrado livro:           O antiquíssimo, porem ágil portão da leitura aliada à imaginação se abriu. Nele estava encravada uma reluzente placa ostentando os seguintes dizeres:

Gênesis capítulo 12

-“E disse o Eterno a Abrahão, vai embora da terra de onde você nasceu... para uma terra que te darei e eu te farei uma grande nação e engrandecerei o seu nome e você será abençoado!” “...E aquele que te abençoar será abençoado e o que te amaldiçoar, amaldiçoado será...!”
- A-NI-MAL!!!  Esse Avraham devia ser muito querido, por que Deus ofereceu todas estas coisas pra ele fazer a Sua vontade ! Alem do mais, nessa historia Deus não parece ser tão durão como eu tenho ouvido alguns adultos dizerem: Deus castiga! Deus castiga!
“Medo e Amor” – Este poderia ser o nome da obra que teria como início duas paginas diferentes do mesmo Livro!

Ainda muito impressionado com a cena do sacrifício. Ainda antes de seu irmão achar o livro em cima de seu travesseiro, o primogênito Meir continuara a leitura da história de Avraham até o final, mas obviamente, após perceber que já teria chegado ao ápice do desenvolvimento espiritual do Patriarca, não sentiu necessidade alguma de ler o início e o meio da vida de seu agora ídolo. E este se tornou seu lema: Obediência acima de Tudo !
Meir não se separava do livro e cismava em dormir com ele debaixo do travesseiro, o que dificultava a missão do caçula Mayer de continuar a sua leitura, forçando-o a esperar o irmão adormecer, para delicada e silenciosamente pinçar a Obra de sob sua cabeça.
Deliciosas noites de leitura que desembocavam em sonhos ambientados na história Bíblica foram se somando e quanto mais o caçula sentia o perigo de seu irmão descobrir seu “furto”, mais a leitura se tornava perigosa e agradável:
Os dias foram voando rapidamente como uma ventania e o persistente Mayer, envolto no manto das trevas noturnas, abria mais e mais portões, através dos quais entrava madrugada adentro no antigo mundo do venerável patriarca, seguindo-o em seus desertos de desafios e dilemas, bebendo de seu Oasis de conclusões e se refrescando em sua inesgotável fonte de fé.
Entre suas vivências oníricas estavam a revelação de Deus a Abrahão, sua jornada rumo a Terra Prometida, a seca e a partida para o Egito, onde compartilhou os temores do patriarca relativos a morte e a perda de sua querida esposa Sarah nas mãos do Faraó.
Ainda em seus sonhos, o jovem lutou lado a lado com o patriarca para salvar seu sobrinho Lot, ficou perplexo ao ver sua recusa em se apoderar das riquezas da cidade de Sodoma, Chorou copiosamente ao ver seu guru em prantos despedindo seu filho Ishmael, compartilhou da refeição que Abrahão ofereceu aos três anjos que vieram lhe noticiar o nascimento de um filho, ouviu estupefato seu mestre argumentar com Deus quando este lhe anunciara a destruição das cidades perversas de Sodoma e Gomorra e brindou o nascimento de seu filho Isaac da nonagenária matriarca Sara, milagre que lhe comprovara claramente a existência de Deus e de Seu poder e amor absolutos.
Certa noite gelada, após a leitura, Mayer atravessou respeitosamente o portão do capítulo 22, após o qual despira se do frio, vestindo se com o calor do deserto e da grande pira de fogo sustentada pela destra do patriarca Abrahão, ladeado por seu filho, Isaac.
Após seguir o Patriarca exaustivamente por desertos e trilhas misteriosas, descansar em cavernas, atravessar rios e passar horas em sua tenda conversando e ouvindo seus conselhos, era chegada a hora de subir a montanha. Ir para o alto, desafiar a força da gravidade, transcender, ir além!
Mas... já era tarde demais. Ou melhor, cedo demais!
Vamos, levantem Meir e Mayer, vocês querem se atrasar para a escola ?
Horas depois, na escola :
-”obediência acima de tudo!”
-Mas Meir, você não viu que o professor foi injusto com você ?  Ele te culpou pelo que o Carlos fez!
-Mas devemos obedecer... Vamos pra sala de retenção !
Enquanto Mayer se afogava no mar da “obediência cega”, seu irmão se preparava para escalar o monte da compreensão:
-Professor, me desculpa, eu compreendo o seu ponto de vista, mas eu gostaria de te dar a minha opinião...
-Cala a boca menino! Eu não quero ouvir a sua opinião!
-Mas professor, porque o senhor está gritando ? Eu somente queria dar a minha opinião com respeito e sem levantar a voz.
Um livro, duas paginas, dois caminhos!
A noite seguinte não foi diferente das outras: Meir adormeceu com o livro debaixo de seu travesseiro, satisfeito em lembrar-se da cena do sacrifício, enquanto Mayer, ao esperar seu irmão pegar no sono, recordava o trajeto que trilhara até chegar ao topo do monte.
O momento tão esperado havia chegado:  Meir adormecera e já roncava.
Era tarde, o assovio da ventania passando pelas frestas da persiana temperava o ambiente misterioso da leitura que se iniciava. O portão 22 se abria simultaneamente com a porta do quarto, tal qual uma coreografia entre as dimensões concretas e espirituais da realidade do menino. Ambas as portas se mantiveram abertas, como que apontando para a possibilidade de voltar para trás.
Como acontecia sempre, após a leitura o sonho, a vivência:
Depois de três dias de caminhada você aparece ? Como foi na escola Mayer ? Venha, vamos subir...
-Avraham, o senhor vai mesmo sacrificar o seu filho ?
-Meu querido, disse o velho com os olhos marejados e com um leve sorriso no rosto enrugado, enquanto seus longos cabelos brancos dançavam ao vento:
-Meu jovem eu compreendo a sua surpresa, mas como você sabe não cheguei aqui agora! Foram anos de questionamentos e aprendizado, dúvidas e crença. Nesta minha jornada aprendi a ouvir, a lutar e a negociar, neste caminho tive muitas dúvidas, mas cheguei à verdadeira fé... e agora: Chegou a hora de crescermos, de subirmos, de nos elevarmos ao topo da montanha!
Ao chegar no topo do monte Moriah, Abrahão deitou Isaac em cima da lenha e com os olhos marejando, preparou se para cumprir a odem Divina.
 -Vendo o ancião levantar o facão afiado na direção do pescoço de seu filho os olhos de Mayer quase saltaram e ao ver seu espanto o bom velho disse:
-Meu filho não se preocupe, pois na realidade não somos o corpo físico e sim a alma!
A alma quando vem ao mundo vem a trabalho, vem para uma missão, a morte não existe, é só a passagem de uma dimensão para outra, por isso temos que ter coragem e seguir nossa consciência para que...
Quando Abrahao ia degolar Isaac, o “visitante”, ouvindo um susurro virou-se para o lado:
-Muito bem! Obediência acima de tudo!
Naquela noite, antes de cair no sono, Meir o primogênito decidira reler o relato do sacrifício de Isaac e como o portão estivesse aberto, entrara também!
O Caçula ficou desconcertado. Não esperava encontrar seu irmão naquele lugar. Sem tirar os olhos do “ato central”, Mayer caminhara na direção de Meir e ao seu lado viu pela primeira vez a cena que tanto marcara e definira o futuro de ambos.
-Ao terminar o sacrifício abortado, o caçula abraçou o patriarca enquanto seu irmão repetia:
-Obediencia, obediência!
-Quando se preparou para descer o monte, Mayer vendo seu irmão inerte, falou:
-Vamos meu irmão ! Temos que descer! Amanhã teremos aula!
-Ao perceber que este não se movia, olhou para Abrahao, que movendo o indicador lhe disse:
-Não, meu filho! ele não vai descer, Como não conheceu o caminho para chegar, não pode conhecer o caminho para voltar. Venha Mayer, venha Isaac, vai ficar tarde!
-Estamos atrasados !
-Acordem meninos, estamos atrasados!
-Ãh...Ah ! Bom dia!
-Bom...
Espanto e medo, estes foram os sentimentos que ambos sentiram ao se encararem pela primeira vez após aquele sonho misterioso. Algo os levava a crer que de fato haviam se encontrado naquela noite... Fora de seus corpos físicos...
 -Passaram se dias, meses e anos e o caçula continuava suas leituras, nas quais conheceu e vivenciou as histórias dos patriarcas, de Moises e do povo de Israel, aprendendo também, as leis que regiam a sociedade judaica e a dinâmica de seu dia a dia.
Seu irmão Meir, por outro lado, fincou morada permanente no topo do monte Moriah, não arredando pé daquele capítulo, como que fazendo questão de fixar na frente de sua “tenda” uma faixa ostentando os seguintes dizeres em tinta dourada: OBEDIÊNCIA ACIMA DE TUDO!
 Mas meus amigos, a verdade seja dita: O tipo de obediência que lhe atraia, não era exatamente aquela que envolvia enfrentar pessoas ou situações que pudessem lhe tirar de sua zona de conforto. Era uma obediência seletiva, Se tivesse que obedecer a um rico, obedecia! A um chefe, obedecia! A Deus, obedecia... se isso não o indispusesse com... bem, deixemos isso para La !
É verdade que Meir assistira o supremo ato de obediência de Avraham, porem diferentemente de seu irmão, não conhecera o caminho que levava a tal nível de resignação:  Portanto, por mais que louvasse o ato de acatar e de se auto-sacrificar, fazia-o como um expectador que louva a beleza do espetáculo sem a possibilidade e o talento de reproduzi-lo por si mesmo.
Assim como anos antes, na sala de banhos, preferira imaginar-se abatendo seu filho à ser abatido por seu pai, para ele a figura de magarefe continuava sendo a mais atraente.
Com Mayer, o gêmeo caçula, era tudo diferente: Os valores que absorvera nos estudos e em suas vivências extra-físicas logo se tornaram os norteadores de suas ações; Era conhecido por sua coragem, iniciativa e conhecimento, mas sua fé era o que mais se destacava no maravilhoso mosaico de sua personalidade!
Em sua escola, se tornou representante de classe. Participou como voluntário em diversas Ongs, sempre se destacando por seu dinamismo e liderança. Trouxe para seu prédio e depois para toda a rua onde morava o lixo seletivo e divulgou através das redes sociais iniciativas e idéias edificantes que ajudaram a inúmeras pessoas necessitadas de atenção e de ajuda material. O lugar onde ele se sentava na sinagoga já era bem conhecido de todos, pois apesar da idade jovem, era sempre procurado por pessoas, que para ele direcionavam elogios e demandas das mais diversas, aceitas sempre com um olhar divertido acompanhado por alguma piada ou brincadeira, de modo a minimizar o elogio recebido ou o constrangimento do pedinte. Era incrível sua sensibilidade!
Mayer gostava muito de rezar, mas sua atividade preferida na sinagoga era ensinar os mais jovens.
Todos gostavam de suas aulas, pois eram profundas e divertidas ao mesmo tempo, porque Mayer... Mayer era cheio das piadas! A maioria delas eram engraçadas!...mas  para falar a verdade, só tinha uma brincadeira que Mayer fazia com certa frequencia e que ninguém achava graça, era quando dizia: Coloquem uma tarja nesta página dizendo:
“Perigo! Não comece por aqui !”
Se não fosse por sua seriedade ao falar esta estranha piada, justamente o que lhe conferia certa graça, o pessoal não riria nem um pouquinho. Mas tudo bem, não é?                                  
Afinal de contas:  As vezes, (Perigo, não comece por aqui!),  a forma conta mais do que o conteúdo!


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