“Que absurdo... Um cristão?! Um cristão ajoelhado?! Um cristão ajoelhado aqui no Muro das lamentações?! Um cristão ajoelhado aqui no Muro das lamentações e bem na minha frente?! ... E justo nesta noite?!
Bem... Ele está pedindo e vai receber. Nem que sejam uns chutinhos
simbólicos no traseiro, mas que vai receber vai... Humpf! Um cristão no
Kotel... Na minha Casa! No meu País!”
O clima era quente, como costuma ser no mês de Av, principalmente
em se tratando de Jerusalém, que no verão é acariciada pelas ressecadas mãos
dos ventos desérticos, exoticamente chamados de Hamsin.
Justamente por ser tão ressecada a noite e por se tratar de
um dia de jejum, eu havia passado uns quinze minutos no sanitário urinando. Na verdade
se eu contar o tempo de espera na fila, devo ter permanecido ao todo, uns
quarenta minutos ali.
E que recinto caótico aquele! Fazia Jus à cidade mais sagrada do universo, famosa pela loucura per capta acima da média internacional.
E que recinto caótico aquele! Fazia Jus à cidade mais sagrada do universo, famosa pela loucura per capta acima da média internacional.
Ah! Mas o que tem a ver o dia de Jejum e o clima seco com o longo
tempo de permanência no ictório... ops! Mictório? (Desculpem, é a secura da
boca!).
É que ao me preparar para o dia mais triste do ano, acabei
exagerando na dose, bebendo mais do que devia! Foram uns três litros de água em
meia hora. Quase tive um coma hidráulico!
Mas vamos deixar isso para La, porque nessa hora já havia
terminado o “vazamento” e o meu problema já era outro, bem mais grave...
O Cristão!
Não! Cristão não... É o Católico Apostólico RO-MA-NO!
É isso! Um cristão Romano... e são eles! Eles, os romanos,
que são os responsáveis por esta tristeza toda. Eles é que são os culpados por
este jejum e por este monte de gente aqui!
Por causa deles todos choramos: Choram homens, mulheres e
crianças. Choram os judeus árabes-negros recém chegados do Yemen com seus
compridos cachos laterais caindo sobre seus ombros.
Choram os judeus russos com seus gabardos de ceda escura e com
os reluzentes Shtreimels de pele sobre suas cabeças. Choram os rabinos etíopes
e seus jovens seguidores com suas vestes coloridas, enquanto são observados pelos
judeus franceses, italianos e brasileiros, que choram ao serem observados pelos
jovens soldados israelenses... que choram...
Hoje o verbo chorar é conjugado em todos os tempos, pessoas e
modos. Nós nos lamentamos pela destruição do nosso templo, no ano setenta e pelo
exílio de nosso povo. Enlutados aqui, exatamente em Jerusalém, estamos todos juntos,
vivos e fortes, de volta a nossa terra ancestral... Lindo!
Não! Nada de lindo! Hoje é o dia nove do mês de Av e por causa disso tudo é horrível!
A variedade de pessoas, idiomas, tecidos, cores e cantos. Todos
reunidos sob a soberania judaica ...Nada disso é lindo. Pelo menos hoje!
Bem... mas para ser sincero, devo confessar que hoje temos pelo menos uma coisa que não é horrorosa, e sim: Assombrosa,
Absurda e Macabra:
O cristão.
Um... Cristão ajoelhado aqui e agora e eu... não vou deixar barato!
Um... Cristão ajoelhado aqui e agora e eu... não vou deixar barato!
Não vou fazer igual aqueles árabezinhos do Shuk, que vão dando
desconto, desconto, desconto, até o produto ficar quase de graça!
NÃO! Comigo não tem desconto, porque o meu produto é a nossa
dignidade e nada vale mais do que isso!
Hum... deixa eu ir com cuidado. A cada passo que eu dou posso
tropeçar em alguém. Hum... nunca vi este piso bi ou trimilenar tão lotado. Será
que ele agüenta tanto peso?
-Mais um pouquinho, isso, só mais um pouquinho... Todo o
cuidado é pouco para não machucar um dos MEUS... Pronto! Cheguei!
Agora só falta erguer o meu pé e:
-Hei man! What are you doing here? Here is a
jewish temple! – Espero que ele compreenda o inglês.
-Agora os pontapés!
-Ha! ha! Ótimo, ele está se sentindo incomodado, daqui a pouco vai se
tocar e vai sair! Com este ato eu estou vingando os milhões de...
-Rapaz! Rapaz! Pare! O que você esta fazendo? – Perguntou repentinamente para mim um senhor idoso
de profundos olhos azuis cravados num esqualido rosto, emoldurado por uma barba
branca, que lembrava a lã das ovelhas dos beduinos:
-Enquanto seu magro e trêmulo dedo indicador apontava para o jovem
“cruzado”, sua boca falava firme e claramente:
-Tafsik... Hu Mitpalel. – Pare, ele está rezando.
-Assustado e com os olhos arregalados, como quem acorda de um pesadelo, olhei para o velho e para o rapaz, no qual percebi agora um irmão, abaixei a cabeça com
vergonha e me calei, percebendo novamente a água sair, mas desta vez através de
canais mais elevados... Não entendi exatamente o por quê, mas o que senti
naquele momento, no topo do monte do templo e de baixo do céu estrelado... foi
realmente...Sagrado!
Jerusalem – Yerushalaim – Yir Shalom, Cidade da Paz.
8 comentários:
Quando Shlomo haMelech inaugurou o Templo, ele elevou uma plegaria a HaShem, para que todo aquele que rezasse desde aquele lugar, ou em direcao a ele, fosse natural ou estrangeiro, que o seu pedido fosse escutado e respondido.
Acredito que os milhares de anos que nos separam daquele momento nos turvam o olhar, e as vezes nos esquecemos que atraves dessa plegaria ainda hoje Shlomo Hamelech vive.
Parabens Ventura, por compartilhar sua intima experiencia de coexistencia.
Muito bem lembrado Kelita!
Sua mensagem me lembrou um encontro inter religioso numa sinagoga, onde um Sheik, em seu discurso, citou o versículo de Isaias à respeito do Templo de Jerusalem que diz: "Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos"!
Foi lindo ver um Sheik, numa sinagoga, citando Isaias...
Obrigado Amiga! Fiquei muito feliz com sua mensagem!
Escreva sempre!
Moré, emocionante, você é umas das únicas pessoas que consegue emocionar este meu coração. Quando que aconteceu isto Moré? Foi naquela época que te chamavam de Rav e você usava chapéu e paletó? rsrsrs... Hoje você é mais rav que naquela época. nosso amigo e morè, hoje você é Morênu!!!
Muita sabedoria nas palavras da Kelita , amigo muito obrigada por mais este ensinamento a todos nós.
Shalom !
Viva!
E assim vamos transformando o mundo... ops, nos transformamos.
Paz e Bem!
Me permita postar algo, ele não era um simples cristão, outrora ele fora um judeu que por força de pressões mudou a maneira de rezar, mas no seu íntimo sempre será um judeu, afinal se o Kotel para ele é sagrado, o sangue judeu ainda corre em suas veias, e por ultimo,eu sempre soube que rezar é universal, seja qual for o caminho escolhido, e que o Kotel é mais que universal, é transcendental.
Abrahão Felix Haratz sabe exatamente como me sinto. Embora nascida e criada em família cristã (Católica Romana) ainda me sinto judia. Meu sangue e minha alma são judeus. Rezo Adon Olam, Shemá, etc. em hebraico. E tb o Pai Nosso, em hebraico. Rezo para Deus e Ele é único. Para Ele todos nós somos sagrados, não importa a cor, a nacionalidade, o idioma, o credo, etc. Somos todos seus filhos e ponto.
Permitir que fósforos se acendam e espalhem luz para onde se necessita de luz , não abriria novas oportunidades para que o mundo pudesse clarear de uma maneira mais ampla ? Ao invés de se manter a luz presa em um único ponto.
Abraços,
Itamar.
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